domingo, 4 de agosto de 2019

QUANDO ALGUÉM PARTE...





Quando alguém parte fica a dor, a saudade, o para sempre... 

Foram momentos muito difíceis. O quadro enigmático pintado em 2013 por uma médica com o nosso nome, seria uma chamada?!... Um sinal?!... Bom ou mau?!... A Marginal, a roupa e o chapéu de chuva por pintar, o lenço cor-de-rosa esvoaçante... Foi aí que tudo começou... Durante todo o tempo, o lenço e os brincos  e o colar de pérolas que ele me deu, foram uma constante em mim. Mas de nada valeu e o desfecho foi terrível... Isolamento quase total, a entrada no quarto só possível com batas, luvas e máscaras... Máscaras em forma de bico de pato __ que desespero não lhe deveriam provocar?!... Onde estava, o que fazia ali, a não aceitação de lá ficar, o amarrado à cama, o longe da família e dos espaços conhecidos... De tudo que se passou, foi o que mais doeu. Na véspera, a pergunta era insistente: "Alguém o chamava lá para cima... mas para quê?!... Porquê?!... Quem eram eles?!..." E na noite do dia seguinte partiu. Nessa tarde, ainda viu a minha cara desprovida da máscara que tanto incomodo causava, foi a derradeira despedida de um ser humano com rosto, o rosto de uma filha esperançada na sua recuperação apesar do mal estar que ele sentia. Terá sofrido muito conscientemente? O que mais dói é que não estávamos lá para lhe segurar a mão, fechar os olhos e dizer-lhe uma vez mais o quanto gostávamos dele... Não havia alternativa, mas ficou a mágoa duma despedida mal acabada, do seu abandono numa cama de hospital, já que a sua vontade de morrer em casa não pôde ser satisfeita. Aquele breve aceno com a mão amarrada às grades da cama, foi o que ficou do nosso último contacto visual que hoje me traz um mínimo de conforto... 

Mais tarde, o seu rosto permanecia impassível e tranquilo dentro do caixão, momentos antes da sua cremação... uma última carícia naquele rosto tão amado e frio, um último adeus ao primeiro e mais importante homem de toda a nossa vida _ o nosso pai que partia para sempre mas que ficaria para sempre gravado nos nossos corações. Mais uma vez, partia sozinho para ser reduzido a cinzas, de acordo com o seu pedido e nossa vontade. De pó a pó voltava. 

Como todos os bons pais, "era o melhor pai do mundo", com todas as suas inúmeras virtudes e certamente algumas falhas cometidas. Como todos os bons pais não deixará de velar por nós, onde quer que se encontre e é isso nos traz a aceitação da sua perda e a esperança de um dia (quem sabe?) nos podermos vir a reencontrar numa outra dimensão... Sim, porque a vida não pode acabar aqui. E a promessa está na pluma que guardo cuidadosamente entre as minhas "lembranças", desde o dia 25 de Julho de 2019... dia em que a pluma apareceu quando acendemos pela primeira vez as luzes da varanda  depois que ele partiu. Varanda de onde à noite ia ver os aviões e, seguramente, as estrelas entre as quais hoje se encontra. 








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