quarta-feira, 14 de agosto de 2019

SIM ... À VIDA (POEMAS DO BAÚ)






SOL
Ó sol amigo que nos dás o dia,
A luz que nos alumia!
Despertas a vida com o teu calor,
És alegria, és amor...

ÁGUA

Água azul, água pura, cristalina,
És seiva que dás vida!
Vens dos céus, és uma dádiva amiga,
És chuva que acaricia.
Corres nas fontes, nos rios a cantar,...
És a senhora do mar!

AR

Ar puro, ar leve, quanto és benfazejo,
Tu és meu e não te vejo!
És para todos nós a grande dádiva,
Seja noite, seja dia!
És sopro mágico que purifica,
És alma que tem vida.

TERRA

Terra, planeta azul, onde há viver,
Nascer, viver, desaparecer!
Mistério da vida sempre em movimento,
Princípio e fim _ breve momento!
Só o Homem, dotado de pensamento,
Pensa viver além do tempo...




(Autor desconhecido)






terça-feira, 6 de agosto de 2019

AS SEMENTES DAS MAÇÃS





"Cesto das maçãs" (*) - inspirado no trabalho de Paul Cézanne 
(fases finais)



Estará acabado? Assinado já está, mas ainda há coisas a retocar. Vai ser sempre um quadro especial, pois foi o último que estava a fazer ainda em vida do meu pai, quadro de que ele mesmo assim gostou e achava que prometia...  quadro que só continuei depois que o meu pai partiu e eu senti que a vida tinha que recomeçar... Tinha pressa de o acabar... não o deixei acabar por si, agora terei que voltar a retocá-lo mais tarde com ajuda da minha mestra.

Uma cesta de maçãs... fruto tão apreciado por ele e, como em tantas outras coisas, uma forma única de as viver. As maçãs eram descascadas e cortadas em quartos em forma de ritual no final da refeição. Era então que, degustado o sabor da polpa, a textura da carne do fruto e o prazer de a  mastigar vinha a parte cirúrgica daquele manjar. Destacadas do caroço da maçã as sementes eram guardadas e separadas uma a uma... Aquelas já não iriam ser o bem mais precioso do corpo carnudo do fruto capaz de gerar novos frutos. Iriam ser saboreadas até ao mais pequeno fragmento...  

Ainda hoje lembro do cuidado que punha em abrir o tegumento de cada semente de maçã e separar os dois cotilédones, e de os degustar com pleno prazer. Era uma forma de terminar a refeição, um rematar do momento de partilha que deve ser um almoço ou um jantar de família ... por cima, só uma bolachinha e o cafezinho também ele feito num ritual muito próprio e tão característico. 

Que saudades vou tendo de ter o privilégio de assistir a esta forma tão própria de acabar uma refeição com ele. Hoje fico com o quadro que me fará sempre lembrar das peculiaridades de um homem que soube saborear as coisas boas da vida como as sementes das maçãs.





domingo, 4 de agosto de 2019

QUANDO ALGUÉM PARTE...





Quando alguém parte fica a dor, a saudade, o para sempre... 

Foram momentos muito difíceis. O quadro enigmático pintado em 2013 por uma médica com o nosso nome, seria uma chamada?!... Um sinal?!... Bom ou mau?!... A Marginal, a roupa e o chapéu de chuva por pintar, o lenço cor-de-rosa esvoaçante... Foi aí que tudo começou... Durante todo o tempo, o lenço e os brincos  e o colar de pérolas que ele me deu, foram uma constante em mim. Mas de nada valeu e o desfecho foi terrível... Isolamento quase total, a entrada no quarto só possível com batas, luvas e máscaras... Máscaras em forma de bico de pato __ que desespero não lhe deveriam provocar?!... Onde estava, o que fazia ali, a não aceitação de lá ficar, o amarrado à cama, o longe da família e dos espaços conhecidos... De tudo que se passou, foi o que mais doeu. Na véspera, a pergunta era insistente: "Alguém o chamava lá para cima... mas para quê?!... Porquê?!... Quem eram eles?!..." E na noite do dia seguinte partiu. Nessa tarde, ainda viu a minha cara desprovida da máscara que tanto incomodo causava, foi a derradeira despedida de um ser humano com rosto, o rosto de uma filha esperançada na sua recuperação apesar do mal estar que ele sentia. Terá sofrido muito conscientemente? O que mais dói é que não estávamos lá para lhe segurar a mão, fechar os olhos e dizer-lhe uma vez mais o quanto gostávamos dele... Não havia alternativa, mas ficou a mágoa duma despedida mal acabada, do seu abandono numa cama de hospital, já que a sua vontade de morrer em casa não pôde ser satisfeita. Aquele breve aceno com a mão amarrada às grades da cama, foi o que ficou do nosso último contacto visual que hoje me traz um mínimo de conforto... 

Mais tarde, o seu rosto permanecia impassível e tranquilo dentro do caixão, momentos antes da sua cremação... uma última carícia naquele rosto tão amado e frio, um último adeus ao primeiro e mais importante homem de toda a nossa vida _ o nosso pai que partia para sempre mas que ficaria para sempre gravado nos nossos corações. Mais uma vez, partia sozinho para ser reduzido a cinzas, de acordo com o seu pedido e nossa vontade. De pó a pó voltava. 

Como todos os bons pais, "era o melhor pai do mundo", com todas as suas inúmeras virtudes e certamente algumas falhas cometidas. Como todos os bons pais não deixará de velar por nós, onde quer que se encontre e é isso nos traz a aceitação da sua perda e a esperança de um dia (quem sabe?) nos podermos vir a reencontrar numa outra dimensão... Sim, porque a vida não pode acabar aqui. E a promessa está na pluma que guardo cuidadosamente entre as minhas "lembranças", desde o dia 25 de Julho de 2019... dia em que a pluma apareceu quando acendemos pela primeira vez as luzes da varanda  depois que ele partiu. Varanda de onde à noite ia ver os aviões e, seguramente, as estrelas entre as quais hoje se encontra.