segunda-feira, 29 de junho de 2015

"TANGERINA" - POEMA INFANTIL DE EUGÉNIO DE ANDRADE

 
 

 
Desenho a pastel de óleo inspirado em trabalho do Pinterest
(Malay - 29/6/15)



Pêssegos, peras, laranjas,
morangos, cerejas, figos,
maçãs, melão, melancia,
ó música de meus sentidos,
pura delícia da língua;
deixai-me agora falar
do fruto que me fascina,
pelo sabor, pela cor,
pelo aroma das sílabas:
tangerina, tangerina.



(Poema infantil de Eugénio de Andrade)
 
 
 
Desenhar frutos e o que nos aprouver, será também uma brincadeira de crianças... Mas o prazer que dá e o desafio que é, como diz o poeta, "é música dos nossos sentidos" e "pura delícia" nos momentos esquecidos do depositar da cor, definir da forma e esbater do tom. Fascina como a tangerina pela cor, pelo traço, pela mancha... Flores, peras, maçãs, cerejas, figos, melancias, laranjas ou tangerinas, tudo serve para o concerto de cores, formas e traços.  
 
 
 
  

quinta-feira, 25 de junho de 2015

"MEMÓRIA SOBRE OS TEUS OLHOS" - POEMA DE ANTÓNIO GEDEÃO

 
 
 
Pintura a óleo sobre tela inspirada em trabalho de Neil Nelson
(Junho/2015)(*)




Magníficos.
como os jactos que aguardam no aeroporto o iminente sinal da partida,
seus grandes olhos imensos escorvam, impacientes,
o subsolo da imagem pressentida.
Perfurantes como as brocas dos mineiros,
pontas de aço-vanádio
que o cubro alcançam sem perder o gume,
um fogo o olhar o queima, um mar invade-o,
um lume feito de água, água de lume.
Súbito, seus grandes olhos imensos descolam e levantam voo.
Ei-los que sobem.
Seu movimento é como se apenas as coisas deles se afastassem,
é como se move o tempo, sem agravo nem estrago,
como boiam as folhas na dormência do lago,
como bate o coração do homem enterrado no chão.
Na estática subida a que se entregam
são o próprio silêncio em que navegam,
são a curva do espaço,
a quarta dimensão.
Cá em baixo,
onde as superfícies se avaliam
multiplicando pi por érre dois,
um formigueiro de bois
desenha na planície coloridos talhões.
Cumprem-se as sementeiras.
As cores são as bandeiras;
os regos, os limites das nações.
Um rabiar de células,
Cultura de bactérias num capacete de aço,
ziguezagueiam, obstinadas como libélulas,
num charco de sargaço.
Entretanto,
seus grandes olhos imensos olham, e olhando,
no desígnio frontal que não hesita nem disfarça,
com linhas de olhos vão bordando a talagarça.
Sento-me à secretária,
preparo-a, limpo-a, esfrego-a
na aflita busca do mais puro espaço,
e com o esquadro e a régua,
o lápis e o compasso,
construo os olhos d'Ela.
Deliberada e escrupulosamente
ergue-se a construção de arquitectura mansa,
quase cinicamente,
como quem premedita uma vingança.
(Aliás
o engano, a ilusão,
a mentira, a falsidade,
o perjúrio, a invenção,
tudo, em Amor, é verdade.)
Eis os mais lindos olhos deste mundo.
O Amor os fez.
Proas de galeões de velas pandas,
meninas a correr que chegam às varandas
olhando o mundo pela primeira vez.
Dou-lhes uns toques nas íris, um tempero
na plácida inocência,
um miligrama de cianeto, morte sem desespero,
acicate da humana permanência.
Sobre o fundo sombrio um tom de folha seca
de plátano, uns veios
de clorofila,
mancha irisada
em redor da pupila,
óleo vertido no asfalto da estrada.
Encosto o rosto às mãos, e embevecido
contemplo a construção de linhas,
e finjo-me esquecido
como se não soubesse que são minhas.
Como se não soubesse
comovo-me e entrego-me no sorriso total,
Construo o meu real
conforme me apetece.

 
(Poema de António Gedeão)
 
 
 


sábado, 20 de junho de 2015

Hortense Branca

 
 
 
 


Desenho a pastel de óleo inspirado em trabalho de Catherine Kehoe
(Malay- Junho/2015)
 
 
 TODAY IS EVERYTHING WE HAVE! WE MUST TO BELIEVE!
WE HAVE TWO HANDS! WE MUST TO USE THEM TODAY!


 

terça-feira, 16 de junho de 2015

"FUMO" - POEMA DE FLORBELA ESPANCA



 Longe de ti são ermos os caminhos               
 Longe de ti não há luar nem rosas
 Longe de ti há noites silenciosas
 Há dias sem calor, beirais sem ninhos

 Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
 Perdidos pelas noites invernosas
 Abertos sonham mãos cariciosas
 Tuas mãos doces, plenas de carinho

 Os dias são outonos: choram, choram
 Há crisântemos roxos que descoram
 Há murmúrios dolentes de segredo
 Invoco o nosso sonho, estendo os braços

 e é ele oh meu amor, pelos espaços
 fumo leve que foge entre os meus dedos.




Desenho a pastel de óleo inspirado em pintura de Lisa Daria
(Malay - Junho/2015)
Poema de Florbela Espanca


PÊRAS, MAÇÃS E OUTROS - Desenhos a pastel de óleo

 
 
 

Desenho a pastel de óleo inspirado em trabalho de Paul Cézanne
(Malay - Junho/2015)

 

 
 Desenho a pastel de óleo inspirado em trabalho de Lisa Daria
(Malay - Junho/2015)



 
 


 "Pêras" - Desenhos a pastel de óleo inspirados em trabalho de Carol Marine
(Malay- Junho/2015)


 

quarta-feira, 3 de junho de 2015

POEMA DE FERNANDO PESSOA










"Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas atiradas fora,
das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos,
dos tantos risos e momentos que partilhámos.


Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das
vésperas dos fins-de-semana, dos finais de ano, enfim...
do companheirismo vivido.

Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.

Hoje já não tenho tanta certeza disso.
Em breve cada um vai para seu lado, 

seja pelo destino ou por algum desentendimento, 
segue a sua vida.

Talvez continuemos a encontrar-nos, quem sabe... 
nas cartas que trocaremos.
Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices...
Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto
se tornar cada vez mais raro.

Vamo-nos perder no tempo...

Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e perguntarão:
Quem são aquelas pessoas?
Diremos... que eram nossos amigos e... isso vai doer tanto!

- Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons
anos da minha vida!
A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...

Quando o nosso grupo estiver incompleto...
reunir-nos-emos para um último adeus a um amigo.
E, entre lágrimas, abraçar-nos-emos.
Então, faremos promessas de nos encontrarmos mais vezes
daquele dia em diante.

Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vida isolada do passado.
E perder-nos-emos no tempo...

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: 
não deixes que a vida passe em branco, 
e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...

Eu poderia suportar, embora não sem dor, 

que tivessem morrido todos os meus amores, 
mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!"




(Desenho a Neopastel inspirado em trabalho de Michael Naples)
 (Malay- Junho/2015)


(Poema de Fernando Pessoa)