terça-feira, 6 de agosto de 2019

AS SEMENTES DAS MAÇÃS





"Cesto das maçãs" (*) - inspirado no trabalho de Paul Cézanne 
(fases finais)



Estará acabado? Assinado já está, mas ainda há coisas a retocar. Vai ser sempre um quadro especial, pois foi o último que estava a fazer ainda em vida do meu pai, quadro de que ele mesmo assim gostou e achava que prometia...  quadro que só continuei depois que o meu pai partiu e eu senti que a vida tinha que recomeçar... Tinha pressa de o acabar... não o deixei acabar por si, agora terei que voltar a retocá-lo mais tarde com ajuda da minha mestra.

Uma cesta de maçãs... fruto tão apreciado por ele e, como em tantas outras coisas, uma forma única de as viver. As maçãs eram descascadas e cortadas em quartos em forma de ritual no final da refeição. Era então que, degustado o sabor da polpa, a textura da carne do fruto e o prazer de a  mastigar vinha a parte cirúrgica daquele manjar. Destacadas do caroço da maçã as sementes eram guardadas e separadas uma a uma... Aquelas já não iriam ser o bem mais precioso do corpo carnudo do fruto capaz de gerar novos frutos. Iriam ser saboreadas até ao mais pequeno fragmento...  

Ainda hoje lembro do cuidado que punha em abrir o tegumento de cada semente de maçã e separar os dois cotilédones, e de os degustar com pleno prazer. Era uma forma de terminar a refeição, um rematar do momento de partilha que deve ser um almoço ou um jantar de família ... por cima, só uma bolachinha e o cafezinho também ele feito num ritual muito próprio e tão característico. 

Que saudades vou tendo de ter o privilégio de assistir a esta forma tão própria de acabar uma refeição com ele. Hoje fico com o quadro que me fará sempre lembrar das peculiaridades de um homem que soube saborear as coisas boas da vida como as sementes das maçãs.





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