Tinha acabado de ler um livro super-divertido que se chama "Como é que ela consegue". Trata-se da história de uma executiva que trabalha em Nova York bastante bem sucedida mas com um cargo que, para além da responsabilidade, implica uma agitação constante, deixando-lhe pouco espaço para o apoio à casa, ao marido e aos dois filhos pequenos __ a miúda um pouco mais velhinha e que não deixa de fazer perguntas "incómodas" e o bebé que ainda mal fala. Escusado será dizer que, no meio de tanta correria, os desastres são constantes e ela procura superá-los na medida do possível e, na maior parte dos casos, com muita graça.
Faço esta referência ao livro que tanto gozo me deu porque, nessa mesma altura, chegou o nosso cão __ o Bob. Era um cão "bebé" de cinco meses tão grande ou tão pequeno que, na noite da sua chegada, quando o quisemos meter na casa-de-banho do rés-do-chão, depois de toda forrada a jornais por causa dos "xixis", tivemos que desistir. O que nos restava? A cozinha... Toca a transferir os jornais para o novo local, acrescentar mais uns quantos e fechar as portas, incluindo a da despensa que, que eu me lembre, nunca tinha sido fechada antes.
Fomos deitar-nos descansados __ agora ele tinha espaço... Mas não. A noite foi agitada porque, estranhando tudo o que o rodeava, ele chiava, latia, arranhava e eu tive que o ir tentar acalmar por várias vezes.
Por volta das três da manhã, oiço dizerem-me: __"Malay, estou a ouvir uns estrondos, vai ver o que é...". Meio estremunhada, levanto-me...
... Abro a porta da cozinha e deparo-me com um monte de jornais "xixizados", vejo a capa do meu telemóvel na confusão... Mas, e o telemóvel?!... Nada. Até que ouço um barulhinho vindo de dentro da despensa, por trás da porta fechada. É nessa altura que reparo numa quantidade de pó castanho e migalhas de bolacha que saíam por baixo da dita porta.
Tento abrir a porta mas não consigo. Empurro mais um pouco. Nada... Faço mais um esforço e apercebo-me de que o escadote pequeno que, geralmente, está encostado à parede ao lado da porta, está tombado. Com muito jeito começo a rodá-lo e a puxá-lo pela fresta da porta entreaberta até que finalmente sou bem sucedida e o tiro para fora. Volto a tentar empurrar a porta. Abre-se o suficiente para deixar passar um cão perdido de susto.
Tento empurrar mais mas, até poder abrir a porta por completo, tenho que continuar a tirar coisas: latas molhadas e revestidas a chocolate, caixas a desfazerem-se, jornais a saírem aos bocados de tão encharcados, bolachas esmigalhadas... É então que arranjo duas bacias __ "Isto ainda se recupera depois de uma lavagem... Isto é lixo..." Até que...
Surpresa das surpresas!... apesar de todo o desconforto que sentia, ( __Se sentia!...), estava estranhamente paciente, ao mesmo tempo __ ele era cachorro, era a noite do primeiro dia que estava connosco e a "outra" tinha "sofrido" muito mais... Era só ter paciência até ao amanhecer e continuar a tirar "mãozadas" de coisas... Era não reparar muito atentamente nas paredes e prateleiras que tinham sido limpas poucos dias antes nas férias da Páscoa daquele ano e que estavam com marcas castanhas riscadas de alto a baixo pelas patas molhadas de "xixi" com o chocolate entornado.
Foi assim que fiquei duplamente em dívida para com o livro "Como é que ela consegue". Primeiro pelo prazer e gozo que me deu ao lê-lo, segundo porque me deu alento para enfrentar a primeira das "des-aventuras" com a chegada deste nosso cão - o Bob, o novo membro da família.
Seguir-se-iam muitos outros episódios desnorteantes, embora nenhum tão aparatoso como este, ao longo de uma vida que nos trouxe tantos momentos de alegria e boa disposição com um dos cães mais meigos e dedicados que nos foi dado ter. Pode mesmo dizer-se que esta foi uma "chegada em grande" do nosso bom gigante, companheiro de uma vida até ao momento da sua "partida", que nos deixou uma saudade para sempre tão doce como o chocolate que ele espalhou naquele dia!...